Tu tens histórico de anemia ferropriva? Como foi o teu tratamento?
Sabias que é preciso de toda uma orquestra sinérgica de vitaminas e minerais além de ferro?
Precisamos falar um pouquinho do metabolismo do ferro.
Durante a absorção de ferro pelo organismo, temos uma maior expressão de proteínas envolvidas neste processo – como a proteína transportadora de metal divalente (DMT-1) e a ferroportina (FPT), que são responsáveis pelo transporte do ferro; para que isso ocorra de forma adequada, é necessário que o ferro esteja na forma Fe2+, o que é mediado pela redutase citocromo b duodenal ou Dcytb.
Uma proteína, presente na membrana apical das células do duodeno e denominada de Proteína transportadora do heme 1 (HCP-1), é responsável pela internalização do ferro heme da dieta. Por este mecanismo, o ferro liga-se a membrana da borda em escova dos enterócitos duodenais e a HCP-1 importa-o para o meio intracelular.
Em um primeiro momento este ferro heme permanece ligado às membranas de vesículas no citoplasma da célula. Em seguida o ferro é liberado da protoporfirina pela heme oxigenase. Liberado, este ferro se juntará com os ferros não hemes que poderão ser armazenados na forma de FERRITINA (aquela do exame de sangue, lembra?) ou irão para o sangue. A função da FPT é exportar o ferro do enterócitos para o sangue.
O Fe3+ é transportado pela transferrina até os locais onde este será reutilizado. A transferrina é capaz de transportar até 12 mg de ferro, mas esta capacidade raramente é utilizada – uma vez que, em geral, apenas 3 mg de ferro é ligado pela transferrina.
Ou seja: 30% da transferrina está saturada com o ferro. Quando a capacidade de ligação da transferrina está totalmente saturada, o ferro pode circular livremente pelo soro, na forma não ligada a transferrina. Deste modo, ele pode ser facilmente internalizado pelas células, provocando danos celulares. O efluxo de ferro do endossoma para o citoplasma é auxiliado pela DMT-1.
Como o ferro encontra-se na forma de Fe3+ e a DMT-1 tem afinidade apenas pelo Fe2+ uma ferriredutase chamada Steap 3 promove a redução do ferro. Deste modo, o ferro é transferido para o citosol pela DMT-1.
⚙️ Sabendo disso, temos algumas questões:
1️⃣️ Hipocloridria e uso de medicações que inibem a acidez estomacal: precisamos de uma acidez adequada lá no nosso estômago. Precisamos de acidez para converter o ferro não-heme (oriundo de fontes vegetais de ferro), que está na forma de Fe3+, para Fe2+. Se não tiver acidez, adiante consumir mais brócolis, espinafre, beterraba, ora pro nobis, couve e feijões e não melhorar a digestão?
2️⃣Vitamina C: os alimentos ricos em vitamina C levam à mudança do estado de oxidação do ferro, de Fe3+ para Fe2+. Além disso, a vitamina C também pode influenciar no transporte e no armazenamento de ferro no organismo. Importante que o consumo destas fontes de vitamina C ocorram pelo menos 2 vezes ao dia, pelo tempo de meia vida desta vitamina.
3️⃣ Doenças inflamatórias intestinais e doenças desabsortivas: se tens intolerância à lactose, por exemplo, e não tratas direitinho, tua absorção de ferro ficará prejudicada. Doença de Chron, doença celíaca, SIBO (SUper Crescimento Bacteriano do Intestino Delgado), também podem contribuir de forma negativa para a absorção de ferro.
4️⃣ Nem sempre ferritina mais elevada representa adequada reserva de ferro. Isso pode ocorrer por conta do aumento de um peptídeo chamado HEPCIDINA, produzida especialmente no fígado, cuja função é controlar o ferro plasmático. Ou seja: aumenta hepcidina, diminui o ferro circulante. Níveis elevados de hepcidina tem sido associados à maior ocorrência de infecção, inflamação sistêmica, aterosclerose, resistência à insulina e stress oxidativo. É importante associar os níveis de ferritina com outros exames bioquímicos e com o quadro clínico do paciente observado na avaliação nutricional. Precisamos controlar a inflamação.
5️⃣ E o teor de oxalato? O ácido oxálico, presente principalmente no espinafre, ora pro nóbis, beterraba, batata doce e ruibarbo, pode sim atrapalhar a absorção do ferro de origem vegetal. Algumas publicações tem demonstrado que precisaria de quantidades exageradas destes alimentos na forma CRUA para de fato ser um problema. Mas é prudente que, especialmente em que for vegetariano/vegano e que está em tratamento de anemia ferropriva, consuma estes alimentos sempre cozidos – mas não vale cozinhar junto do feijão, da lentilha… senão o ácido oxálico fica retido no caldo destas leguminosas e o tiro sai pela culatra;
6️⃣ Fósforo e cálcio combinados, presentes especialmente nos laticínios – como queijos, iogurtes, requeijão, leite, etc – diminuem a biodisponibilidade do ferro (principalmente do ferro de origem vegetal). Se vais adicionar iogurte no molho da salada folhosa verde-escura, bem como queijos, lembre de adicionar também bastante limão ou maracujá ou kiwi para balancear, já que são fontes de vitamina C mas que não comprometem a carga glicêmica da refeição.
7️⃣ Horário e frequência: algumas publicações demonstram que a absorção do ferro via suplemento é mais efetiva quando ofertada uma única vez ao dia e em dias alternados do que diariamente em doses fracionadas duas vezes ao dia. Os níveis de ferritina podem aumentar, mas por conta do aumento das concentrações de hepcidina – e a absorção do ferro não aumenta. Pode ser uma abordagem terapêutica para quem não tolera doses diárias.
8️⃣ Cobre: o ferro exportado será oxidado pela ceruloplasmina, presente no fígado. Se temos falta de cobre, não temos um adequado transporte de ferro. Importante dosar os níveis de cobre também e adequar a dieta.
9️⃣ Vitaminas do complexo B: chegando no tecido-alvo, para o ferro voltar a ter carga Fe2+, precisamos de B2 e B3. Se temos deficiência de complexo B, também não temos um metabolismo adequado e completo do ferro.
1️⃣0️⃣ Alterações tireoidianas: se os hormônios tireoidianos não estiverem adequados, o metabolismo do ferro também pode não estar. Direta ou indiretamente. Por exemplo: uma mulher com hipotireoidismo não tratado pode ter mais perda de sangue menstrual.
1️⃣1️⃣Forma de suplementar o ferro: de forma bem geral, o ferro na forma de quelado/bisglicinato e ferrocarbonila, costumam ser as formas com menos efeito colateral e melhor biodisponibilidade (lembrando de tudo aquilo que expliquei que é necessário, não adianta apenas repor o ferro e comer mais as fontes alimentares de ferro sem avaliar o todo). Ferro lipossomal também costuma ser uma boa alternativa a quem não tolera as outras formas farmacêuticas, especialmente pelos possíveis efeitos gastrointestinais.
Viram quantos aspectos devem ser avaliados? Um abraço, Letícia.
CRN10 2966
⚙️ Dica de leitura:
* https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2681512
* https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6315480
* https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29032957
* https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2725368
*https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9701159